Fintech: a nova leva de startups
O mundo vem vivendo uma onda de digitalização, com acesso a informações de toda natureza e busca diária por otimização operacional e de negócios. É aí que surge as Fintechs, empresas que reúnem tecnologia e finanças de modo inovador para oferecer serviços financeiros de forma mais efetiva do que os provedores tradicionais, como os bancos.
Usar tecnologia a favor do cliente, oferecer conveniência e segurança a um preço justo. Você certamente já ouviu este discurso na publicidade dos grandes bancos. A diferença é que agora surge uma leva de empresas efetivamente capazes de entregar isso: as fintechs, startups que aliam finanças com tecnologia e oferecem soluções inovadoras para empréstimos, investimentos, organização e planejamento dos gastos. A principal vantagem destas startups ante os bancos tradicionais está na transparência e na obsessão pela desburocratização.
É tudo feito online, resolvido via aplicativos ou, se necessário, conversando com pessoas que não seguem os abomináveis roteiros pré-prontos do telemarketing. A estrutura enxuta e os recursos tecnológicos permitem que os preços dos serviços das fintechs sejam mais baixos. Muitas garantem suas receitas apenas com as taxas recebidas nas transações financeiras — vindas, por exemplo, da bandeira do cartão de crédito — sem cobrar nada dos clientes.
O terreno está fértil para essas iniciativas, que conseguem alcançar até mesmo clientes que estavam fora do sistema financeiro. O Banco Central aponta que cerca de 40% da população economicamente ativa do Brasil não tem conta em banco. Por ser altamente regulado, antigo e liderado por poucas instituições, o setor financeiro demorou mais para ser atingido pela onda das startups no Brasil — mas a hora chegou.
Eduardo Diniz, pesquisador da área de tecnologia bancária e educação financeira da Fundação Getúlio Vargas, aponta que as fintechs atraem estes clientes que não eram bancarizados. “Quem tem conta em banco não vai fechá-la para usar os serviços de fintech, mas há um público que começa a ter acesso só agora e quer estas soluções”, diz, apontando que o fluxo vem tanto da população de baixa renda sem histórico bancário, quanto dos jovens, que só agora começam a entrar neste universo. Entre os serviços das fintech estão meios de pagamento, crédito, seguros e poupança.
Eduardo evita chamar este movimento de desbancarização, afinal, mesmo que não passe pelas instituições tradicionais, as pessoas estão acessando recursos do mercado financeiro. É apenas um caminho diferente. “Hoje trabalhamos com um pacote de assinatura em que você paga, mas não usa todas as soluções oferecidas pelo banco. Em uma analogia com o que vemos no setor da telefonia, a tendência é que a gente passe a trabalhar com um modelo similar ao do celular pré-pago, em que o cliente paga pelo que usa efetivamente”, afirma.
QUEM SÃO OS NOVOS PLAYERS
É justamente na linha de oferecer soluções específicas para que o cliente não arque com um pacote que não utiliza que atuam as fintechs. “As startups vão oferecer serviços de banco, não se tornar bancos”, diz Victor Waller Sadalla, responsável pelo marketing da Controly, que oferece um cartão pré-pago. Todas as despesas feitas com ele aparecem direto no aplicativo oferecido para o cliente. Ali os gastos são categorizados para que o consumidor entenda como está gastando e consiga poupar. Victor fala sobre o diferencial da startup:
Ele estima que, entre o download do aplicativo e a abertura da conta, não são necessários mais do que quatro minutos. “Não precisamos de um monte de documentos em papel. Hoje temos mais eficiência com robôs de verificação.” Todos os assuntos podem ser resolvidos pelo app, mas a startup também oferece um canal de comunicação por chat online, batizado de Judith (quem não lembra de Fabio Porchat indo às turras com o telemarketing na Porta dos Fundos?). Só que, diferentemente do vídeo, em que a atendente só consegue tirar o cliente do sério, na Controly o canal de comunicação é prioridade. “Vemos como parte central do negócio”, diz.
Este também é um desafio enfrentado pelo Nubank, que atraiu 1,5 milhão de clientes organicamente, também sem esforço de marketing. A proposta é simples: um cartão de crédito sem anuidade, sem taxas indecifráveis, com atendimento eficiente e digital. A bandeira Mastercard garante a aceitação em milhões de estabelecimentos no mundo. A linguagem da empresa em qualquer comunicação é simples e informal. “O crescimento rápido do interesse pelo nosso produto mostrou o quanto as pessoas estão fartas dos formatos tradicionais. A experiência dos clientes é horrível, com juros e tarifas muito altas”, resume Cristina Junqueira, co-fundadora e vice-presidente de operações da empresa.
Este ano, o Nubank planeja atender a uma demanda comum dos clientes: um programa de fidelidade que ofereça milhagens ou outros benefícios. É aí que ficou evidente a diferença entre a fintech e as empresas tradicionais. “Seria fácil oferecer algo que o mercado já tem hoje, mas não é este o nosso interesse. Percebemos que não há valor para o cliente em programas que são caros e oferecem experiência ruim”, diz Cristina. Diante desta constatação, ela prossegue, o jeito é criar solução nova, simples e que realmente traga vantagens aos consumidores. “Estamos estudando algo inovador e teremos novidades.”
“As fintechs são o segmento mais quente entre as startups hoje”, afirma Felipe Sotto-Maior, cofundador e CEO da Vérios, plataforma de gestão de recursos para investimento em carteira administrada que acaba de entrar em fase beta, com cerca de 700 pessoas na lista de espera. Um serviço que tradicionalmente custa caro e, portanto, as instituições financeiras só oferecem para investimentos superiores a 1 milhão de reais. “Criamos um algoritmo e automatizamos a aplicação, com isso os clientes podem aportar valores a partir de 50 mil reais”, conta.
Felipe quer atrair os clientes que hoje não cuidam tão bem de suas economias justamente porque não conhecem um jeito seguro de fazer isso. A meta é atrair investidores que visam o longo prazo, não os especuladores. Depois de preencher rápido cadastro no site da Vérios, o consumidor é classificado com um nível de risco e encontra um gráfico que mostra a expectativa de evolução de seus investimentos em vários cenários. As reservas são aplicadas de forma equilibrada de acordo com o perfil, distribuídas entre renda fixa e renda variável. Felipe diz o que considera ser um diferencial de seu serviço:
O espanhol Sergio Furio, CEO do BankFacil, também considera o mercado nacional promissor. Ele trabalhava em um banco em Nova York quando encafifou com a ideia de repensar o crédito, facilitando a oferta com um produto que contasse com plataforma digital. Começou a pesquisar países que pudessem receber esta solução e topou com o Brasil. “Encontrei potencial enorme: uma economia grande, com 200 milhões de pessoas, mas com sistema bancário que cobra juros muito altos. Percebi ineficiência na concessão de crédito sem garantia, o que torna tudo mais caro”, diz.
Segundo ele, o BankFacil é uma plataforma que usa tecnologia de análise de dados para conseguir empréstimos com mais facilidade e a juros menores. O cliente coloca um ativo pessoal como garantia. Com isso, o sistema dá acesso ao crédito a um público que estava à margem desta oferta até então. A startup já facilitou o empréstimo e 100 milhões de reais, e 500 mil clientes consultam a plataforma mensalmente. Na prática, a empresa atua como parceira de outras instituições financeiras, como um intermediador, gerando negócios para os bancos com condições melhores para os consumidores. “O Brasil tem um mercado muito consolidado, com apenas cinco ou seis grandes bancos. O consumidor quer ter mais opções e, nesse sentido, somos amigos das instituições: temos um olhar mais fresco e claro para oferecer isso”, diz.
E O FUTURO É O FIM DOS BANCOS? PROVAVELMENTE NÃO
Há consenso entre as fintechs de que vai demorar para que elas incomodem de verdade os bancos, mas alguns efeitos já começam a acontecer. “Vemos uma mudança de linguagem de algumas instituições, tentando essa aproximação que temos dos consumidores”, conta Cristina, do Nubank.
Eduardo, da FGV, acredita que, em 10 anos, os bancos continuarão com grande poder no mercado, mas que os novos negócios trarão diversificação e mais alternativas para o cliente. Para ele, a grande possibilidade é de que os serviços financeiros também entrem na onda do “on demand” já verificada em tantos setores. Apesar disso, o especialista é cético sobre a possibilidade de que as transformações aconteçam rapidamente. “As startups ainda não mostraram do que são capazes neste setor, que é altamente regulado. O pagamento com cartão, por exemplo, demorou décadas para se popularizar”, compara. Felipe, da Vérios, entende que o processo é lento, mas pensa diferente:
Ele aponta que, para prosperar, as empresas terão de investir em informação clara e transparente, nada de cobrar taxas mais altas do que o acertado ou empurrar produto para bater meta. Victor, da Controly, concorda. Para ele, a tendência é de uma mudança na lógica com que os bancos trabalham hoje. “Eles acabarão adotando a filosofia das fintech, que colocam o usuário no centro de tudo. A tendência é ter os bancos no backstage e as startups na linha de frente, como começa a acontecer em alguns países”, aponta, citando o exemplo do espanhol BBVA, que comprou a Simple, plataforma que centraliza contas em um só cartão e categoriza gastos.
“Os bancos foram construídos décadas atrás, com plataformas limitadoras e ultrapassadas. Eles não conseguem mudar isso por terem muitos usuários, então poderão buscar parceiros”, afirma Victor. Ele admite que as fintechs nunca terão a capilaridade e o alcance das grandes instituições. Nesse cenário, a principal ameaça para os bancos tradicionais não parece ser a perda de mercado, mas acompanhar uma transformação aparentemente inevitável. “Não vejo um processo de desbancarização, mas sim de rebancarização. As pessoas estão descobrindo um novo jeito de fazer banking.” Não teremos saudades da Judith.
Fonte: Projeto Draft